Fonte: Portal da Indústria
Cada real produzido pelas fábricas brasileiras gera mais de dois reais no PIB e estimula a atividade econômica e o emprego em outros setores, da a agricultura aos serviços.
Desde 2003, o engenheiro agrônomo e produtor rural Cássio Kossatz, do Paraná, vem investindo em tecnologias para auxiliar suas decisões e obter o melhor retorno nas fazendas da família. “Depois de estágio de um ano nos Estados Unidos, decidimos investir pesado em tecnologia, como o uso de máquinas com piloto automático para plantio, colheita e pulverização”, explica ele, também diretor da K2 Agro, empresa que presta serviços de agricultura de precisão com o objetivo de reduzir custos, aumentar a produtividade e diminuir impactos ambientais.
Kossatz destaca que o uso de inovações desenvolvidas pela indústria contribui cada vez mais para melhorar o resultado da produção no campo. “São sistemas que permitem usar quantidade variável de adubo e semente nas plantadeiras para fazermos as chamadas zonas de manejo, visando não só ao aumento da produtividade, mas também à otimização de insumos”, conta o produtor. O equipamento, guiado via satélite, é usado nas três fazendas da família nas cidades paranaenses de Ipiranga, Ponta Grossa e Tibagi.
“Desde 2012, o ano em que fizemos o investimento mais pesado, o que mudou é que a indústria evoluiu e hoje o acesso a essas tecnologias ficou muito mais simples. Naquela época, tudo precisava ser adaptado e não tínhamos muito suporte. Tivemos que aprender com a tecnologia”, lembra Kossatz.
Segundo ele, atualmente um software mapeia a colheita e gera dados de produtividade, indicando onde o solo precisa de mais adubos. “Esses equipamentos nos permitiram reduzir em 60% o uso de insumos no primeiro ano, em 80% o de calcário e em 50% o de fósforo”, relata.
O uso de uma plantadeira, equipada com tecnologia de geoposicionamento via satélite (GPS) e uma série de ferramentas que orientam as várias etapas da produção agrícola, permite distribuir uniformemente as sementes. Esse tipo de equipamento é um exemplo de como a indústria, por meio do desenvolvimento de novos produtos, pode contribuir para proteger o meio ambiente da ação agropecuária, com o aumento da produtividade sem ampliação da área agricultável e a redução do dano ambiental com uso de produtos ecológicos.
Na avaliação do economista Antonio Márcio Buainain, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), quando se analisa o papel da indústria e das relações intersetoriais, fica claro que ela é ainda um motor relevante, com participação significativa na geração de empregos formais diretos, no próprio setor, e indireto, nos demais setores, como também na arrecadação de tributos. “Enganam-se aqueles que pensam que um país da dimensão do Brasil pode ser sustentável sem uma indústria forte e competitiva. Sem uma indústria competitiva, é impossível o adensamento das cadeias produtivas.”
Segundo ele, “a indústria precisa, antes de mais nada, de uma economia organizada, com regras claras, com horizonte de solução adequado para os principais obstáculos sistêmicos que reduzem sua competitividade, passando pela questão logística, pelos custos de energia e pelas relações de trabalho”. Apesar do ambiente desfavorável para inovação no Brasil, ele afirma que a indústria contribui para o desenvolvimento de uma grande variedade de sementes e para a expansão do conhecimento a partir de pesquisas em parceria com instituições públicas de ensino e com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
José Carlos Hausknecht, sócio diretor da MB Agrícola, explica que a indústria tem um papel importante na cadeia de suprimentos, por meio da produção fertilizantes, defensivos agrícolas e maquinário. “Hoje, o produtor precisa de máquinas com GPS, com uma série de equipamentos que permitam monitorar e aumentar a eficiência na aplicação dos insumos. Há um conjunto de novos defensivos, que estão sendo desenvolvidos para controlar pragas e doenças, e de novos fertilizantes, mais eficientes e com capacidade de promover e aumentar a eficiência da produção”, conta Hausknecht.
O especialista ressalta, ainda, o processamento de alimentos como um elo produtivo e sinérgico importante entre a indústria e a agropecuária. “É o caso do frigorífico, que vai abater os animais e processar a carne, seja de frango, bovina ou suína. Vai produzir para fazer esse produto chegar ao consumidor de uma maneira que seja atraente, que tenha qualidade, que atenda às necessidades do consumidor”, explica. Além disso, a tecnologia desenvolvida pela indústria permite a produção de biocombustível e biodiesel, combustíveis renováveis e menos poluentes, contribuindo para um ecossistema produtivo mais sustentável.
Por isso, diz Hausknecht, “não adianta pensar só no setor agrícola”. “A gente tem realmente que ter um pensamento de cadeia, porque beneficiando qualquer elo dessa cadeia, acaba aumentando a eficiência da produção. Não adianta você ter uma área agrícola muito forte se você não tem uma indústria de insumos por trás, que vai apoiar essa produção agrícola, se você não tem uma indústria processadora eficiente e competente, seja para atender ao mercado interno, seja para conseguir colocar nossos produtos lá fora”, resume o diretor da MB Agrícola.
Tecnologia que vem da indústria promove a produtividade no campo
No estudo A indústria e o agronegócio brasileiro, publicado em 2018 pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), o economista José Roberto Mendonça de Barros já avaliava que “o setor agropecuário tem hoje uma intensa ligação com o setor industrial, muito maior do que mesmo pessoas bem informadas acham”. Segundo o texto, essa ligação “é resultado tanto do avanço na tecnologia de produção, colheita e armazenagem quanto da crescente complexidade no processamento e na geração de valor de produtos e matérias-primas para os mercados interno e externo”.
O economista lembra que a cadeia do agronegócio tem uma demanda difusa, porém relevante em muitos segmentos industriais. Um terço da produção de caminhões, carrocerias e reboques, por exemplo, é diretamente utilizado em transporte de produtos agrícolas, suas transformações e seus insumos. Mendonça de Barros menciona, ainda, o crescente uso de aviões, drones, motocicletas e outros veículos em substituição a animais, tanto no transporte de pessoas como no trabalho de administração rural.
Outro exemplo da codependência produtiva vem da construção civil, cuja atividade implica em demandas difusas sobre os setores de borracha e material plástico, minerais não metálicos, produtos de metal, máquinas, aparelhos e materiais elétricos.
Indústria é quem mais investe em pesquisa, desenvolvimento e inovação
Além de ser o setor onde o trabalhador médio tem maior escolaridade, com emprego formal e maior rendimento, a indústria é muito conectada com outros setores, ressalta Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria Tendências. “Isso faz com que haja um transbordamento para o restante da atividade econômica. A inovação surge tanto na própria indústria quanto nos segmentos com os quais a indústria se relaciona. Muitos dos investimentos transbordam e afetam outros segmentos da sociedade”, afirma Alessandra.
Segundo ela, os benefícios das inovações industriais não ficam restritos apenas à indústria, mas são apropriados por outros setores. “Esse benefício transborda e a economia toda se beneficia das inovações industriais. É o caso, por exemplo, dos aparelhos que funcionam com menor gasto de energia e que contribuem para um ambiente mais sustentável, mas ao mesmo tempo reduzem despesas com o uso dos equipamentos, uma vez que o consumo é menor”.
Rafael Cognin, economista do IEDI, afirma que a indústria é o principal polo gerador de tecnologia e de inovação para o sistema produtivo de uma maneira geral. “Quando se olha para o setor privado, nota-se que é quem mais investe em P&D e inovação, mas também é o único setor na economia que tem um departamento próprio, específico, para revolucionar as formas de produção da própria indústria e de todos os outros setores da economia”, avalia Cognin.
“Quando se olha para o setor privado,
a indústria é quem mais investe em PD&I”
Rafael Cognin, economista do IEDI
Segundo ele, “são novos produtos de bens de capital que vão transformar o modo de produzir no restante da economia. Esse é um fator-chave e é por isso que a indústria é importante. Ela tem esse papel de revolucionar e de traduzir o avanço científico em novos métodos de produção. O benefício se difunde por todos os setores da economia. Um exemplo claro desse fenômeno são os avanços na agropecuária e na agricultura”, descreve o economista.
Rafael Cognin explica que esse avanço tecnológico do agronegócio está muito calcado em novos produtos industriais, como implementos agrícolas, provenientes da indústria química, e colheitadeiras e tratores, da indústria de bens de capital e mecânica. Também no setor de serviços, diz o especialista, boa parte da atividade é viabilizada pela indústria, por meio do desenvolvimento de inovações.
Um exemplo dessa interação da indústria com o setor de serviços é a Escola do Mecânico, que funciona desde 2011 em Campinas (SP). “O papel da indústria no nosso negócio é fundamental. Toda a tecnologia usada nos carros nasce na fabricação dos veículos, no projeto de engenharia dos veículos. Precisamos ter uma relação muito próxima com a indústria que, por meio de parcerias, transfere esse conhecimento e nos ajuda a construir conteúdo didático e material técnico para nossos alunos”, explica Sandra Nalli, fundadora da escola, que emprega 350 instrutores e tem cerca de 16 mil alunos nas 35 unidades.
Ela cita como exemplo os carros híbridos movidos a combustível e eletricidade. “Embora a frota circulando no Brasil ainda seja pequena, essa é uma nova realidade. Sozinhos, não conseguiríamos absorver essa tecnologia ao ponto de repassá-la para o mecânico que, de fato, vai reparar esse tipo de veículo”, comenta. “Se a parceria é importante porque gera novas demandas de serviços para a escola”, diz Sandra Nalli, “também ajuda a indústria, uma vez que o mercado precisa ter profissionais preparados para fazer a manutenção e o reparo desse tipo de veículo quando necessário”.
“Por mais que a gente fale de virtualização e digitalização de algumas atividades, isso continua tendo uma base industrial. A inovação industrial ajuda a construir o futuro de novos produtos e o futuro de novas formas de produzir. É isso que é viabilizado pelas competências industriais”, argumenta Cognin. Mas há um outro fator, segundo ele, que explica por que muitos países não abriram mão da indústria, inclusive os desenvolvidos e mais liberais como o Reino Unido e os Estados Unidos: a capacidade de gerar um crescimento mais robusto da economia.
“A produção industrial, principalmente a manufatureira, como é um processo muito complexo, com cadeias produtivas muito longas, vai costurando e articulando diferentes segmentos da própria indústria, mas também setores e atividades de outra natureza, como serviços, extração mineral, agropecuária e outros”, explica Cognin. “A indústria é o único setor econômico que tem capacidade de revolucionar a forma de produzir, de consumir e de prestar serviços em todos os ramos da economia”, diz o economista.
No caso do Brasil, segundo cálculos de Cognin referentes a 2018, “quando a indústria cresce de forma sustentada 1% ao ano, o restante da economia cresce 2%”. Ou seja, a capacidade de a indústria alavancar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) geral é muito grande. “São cadeias longas, complexas, diversificadas e que demandam bens e serviços de natureza muito distinta. Outros setores têm essa capacidade de impulso, mas em muito menor grau. Menor porque as cadeias produtivas são mais curtas ou porque o bem produzido é mais simples”, explica o especialista.
Conforme dados da pesquisa Perfil da Indústria, realizada pela Confederação Nacional da Indústria, embora represente 20,9% do PIB, o setor industrial responde por 70,1% das exportações brasileiras de bens e serviços, por 72,2% do investimento empresarial em pesquisa e desenvolvimento e por 33% da arrecadação de tributos federais, exceto receitas previdenciárias. Além disso, o setor emprega 9,4 milhões de trabalhadores, dos quais 6,7 milhões estão alocados apenas na indústria de transformação, é responsável por 20,2% do emprego formal no Brasil e paga os melhores salários.
Em algumas cidades, a indústria tem um papel fundamental para a economia local, tanto no recolhimento de tributos municipais quanto na geração de empregos e movimentação do comércio. “Aqui em Itaú de Minas, a indústria é a mola mestra da economia. Sem ela, o município ficaria quase sem recurso nenhum”, afirma o secretário de finanças da cidade, Ubirajara Marques. Segundo ele, a cidade, com 16 mil moradores, “gira em torno da mineração e essa atividade afeta os demais setores”.
Apesar de responder por 20,9% do PIB, a indústria tem 70% da exportações e paga 33% dos impostos federais
Em entrevista ao Canal AgroMais, o presidente da CNI, Robson Braga Andrade, disse recentemente que, embora os economistas e especialistas gostem muito de separá-las, as atividades econômicas estão dentro de uma mesma plataforma. “No caso de serviços, por exemplo, temos os serviços industriais. A mesma coisa se dá com o agronegócio. Quando você exporta carne, você exporta carne processada. Quando você exporta alimentos, muitas vezes estes também são processados. A indústria do agronegócio é uma indústria muito importante”, destacou Andrade.
Para ele, a tecnologia desenvolvida pela indústria é importante tanto na melhoria dos produtos quanto no desenvolvimento de inovações que são colocadas no mercado externo. Fortalecer o setor industrial é um passo importante para garantir uma retomada sustentável da economia, segundo o dirigente. Pesquisa feita pelo Instituto FSB com executivos de 1.017 empresas, a pedido da CNI, mostrou que 94% dos entrevistados consideraram importante ou muito importante fortalecer a indústria nacional para diminuir a dependência do Brasil de matérias-primas e equipamentos importados em momentos de crise como esse da pandemia.